13.7.07

Texto Base

Somos um grupo de pais. Experimentamos em comum a partida de um filho.
Esse acontecimento transformou radicalmente as nossas vidas. Trouxe o absurdo mais cru para o nosso dia-a-dia. Transformou, também, a vida em família.
Partilhamos, ainda, um profundo desejo de (re)encontrar um sentido para a vida. E de fazê-lo em conjunto, como quem (re)começa uma caminhada por passagens desconhecidas e não vai sozinho.
Queremos aprender caminhos de confiança. Temos intuições mas poucas certezas.
Como primeiro passo, decidimos abrir um espaço de encontro(s). Um espaço em que qualquer pessoa, nestas circunstâncias de limite, possa sentir-se ouvida, útil e viva, como em casa. Um espaço que se vá criando em ambiente familiar e que se vá consolidando, entre nós e para além de nós. Que vá crescendo e multiplicando paz, sabedoria e comunhão. Gostávamos de pôr a esperança numa vida melhor no centro deste espaço.
Porque neste grupo inicial todos somos cristãos, Jesus de Nazaré, a quem chamamos Cristo, é a nossa Esperança. Mas, e esta é nossa firme convicção, recusamos impor a quem quer que seja a nossa fé. Partilhamos exactamente a mesma dor com os outros pais, cristãos ou não, que estão a tentar ultrapassar a angústia e o desânimo causado pelo desaparecimento físico dos seus filhos, acontecimento que subitamente inverteu aquilo que parecia ser o curso ‘natural’ da vida.
Partilhamos, pois, essa mesma dor em todos os sentidos mas lutamos activamente contra uma das suas prováveis consequências, a de permitir que o desespero se apodere de nós e nos mantenha cativos no fundo do abismo do nada.
De onde nos vem a esperança que afirmamos?
- sentimos, nos momentos mais dramáticos, uma forte sintonia / solidariedade com aqueles que já tinham passado por situações semelhantes e como a sua presença, mesmo que discreta, nos mostrava que era possível viver com a dor.
- intuímos e/ou acreditamos que cada um dos nossos filhos, quaisquer que tenham sido as circunstâncias do seu desaparecimento / falecimento, continua vivo.
Não sabemos explicar estes mistérios. Acolhemo-los o melhor que podemos.
E sabemos, por experiência de alguns de nós e de muitos pais em todo o mundo, em todos os tempos e lugares, que é possível refazer a esperança, contra tudo e contra todos.
Acreditamos, ainda, que é possível dar esperança ao mundo. A experiência terrível que vivemos colocou-nos face ao essencial e devolveu-nos uma transparência no olhar a vida e as coisas e uma relativização dos problemas que antes pareciam tão importantes e intransponíveis. É isso que nos faz pensar que talvez possamos contribuir para alguma mudança.
Quem sabe, podemos ajudar outros, ajudando, no mesmo movimento, as diferentes comunidades, sejam elas religiosas ou laicas, da nossa sociedade, a olhar e a viver a morte de frente, como realidade incontornável da vida. Quem sabe, algum dia, conseguiremos encontrar, em nós e à nossa volta, sementes de esperança no próprio processo gerado pela partida dos nossos filhos e contribuir para ultrapassar o tabu da morte que desumaniza cada vez mais as nossas sociedades.
De facto, quase nunca encontramos, nos circuitos e relações da sociedade actual, nem mesmo em muitas das comunidades por onde passamos, espaços para reflectir sobre estas questões, sem preconceitos nem barreiras. Por vezes, alguns de nós têm-se sentido (e todos já encontrámos pais que sentem o mesmo) mais ou menos deslocados ou, até, afastados ou privados do direito de viver o seu luto /expressar a sua dor, nos mais diversos contextos. Mesmo nas relações que pareciam mais consolidadas. E, até, no seio de algumas comunidades eclesiais.
Ao mesmo tempo, contudo, todos reconhecemos com optimismo a existência e tendência positiva para o surgimento de grupos, associações ou instituições que acolhem e ajudam pais, respondendo aos mais diversos níveis de intervenção nos processos de luto.
Não queremos, de modo nenhum, criar uma organização alternativa ou substituirmo-nos a alguma dessas respostas – sejam elas terapêuticas, de ajuda mútua ou individual, de formação catequética ou teológica, de intervenção social e política…
Pelo contrário, pretendemos valorizar o que de bom já existe, espaços a que alguns de nós inclusivamente se têm socorrido com sucesso, e novas iniciativas, divulgando-os, em função das necessidades de cada um, entre as pessoas que venham a contactar este espaço.
Também não queremos criar um espaço fechado de auto-comiseração nem de andar em círculos viciosos a escavar no próprio sofrimento mas, antes, construir possibilidades de libertação pessoal e colectiva.
A ideia é de possibilitar confluências de vontades e projectos, de pessoas com diferentes experiências e processos de reencontro consigo mesmas e com a vida, num espaço que possa dar frutos em termos de novos sentidos e caminhos, procuras e comunhões.
Reconhecemos que, ao recusarmos o papel de ‘vítimas’ e actuarmos em favor de uma cultura de sentido para todos, o nosso reencontro acontecerá mais autêntico.
Sabemos também, por experiência própria, que a vivência do limite é feita por cada um de nós de uma forma muito particular: uns com necessidade de maior actividade outros mais contemplativos; uns com uma atitude de maior aceitação, outros com fortes dúvidas em relação à vida; uns sentindo a solidariedade de forma intensa, outros pondo em causa as respostas da Igreja e da sociedade a estes problemas; uns retomando rapidamente a vida quotidiana, outros sentindo necessidade de grandes rupturas e a procura de outros caminhos. Muitos de nós oscilamos entre estas diferentes posições extremas.
É nossa convicção que só uma metodologia vivencial e diversificada será capaz de responder à riqueza do grupo, fazendo com que cada um possa pôr a render ao serviço dos outros os seus talentos.
Concretamente, propomo-nos começar com:
- um espaço central de partilha e reflexão temática, em ambiente simples e calmo, marcado pelo acolhimento recíproco e com a participação de convidados (pessoas que pela sua presença, caminho e/ou vocação reflectem há muitos anos essas questões e acompanham de perto o crescimento espiritual de todo o tipo de pessoas em situação limite). No final desses encontros, só para quem quiser ficar, haverá um espaço de oração. Propomos uma média de três encontros por ano.
- a dinamização de dois (ou mais) grupos de interesse. Para já, achamos possível arrancar com um grupo de reflexão temática, com base na obra “Lições de vida” (Kessler e Kübler–Ross), organizado por relatos que ilustram temas como ‘o perdão; ‘o medo’; ‘a autenticidade’; ‘a paciência’ e em outros textos e um outro grupo em torno de propostas de renovação da liturgia relacionada com a celebração da vida e da morte.
- um núcleo de pessoas disponíveis para estabelecer contactos, pessoa a pessoa, (deixando em aberto a possibilidade de apoio individualizado) e fortalecer uma rede de inter ajuda.
- um blog onde possamos trocar experiências pessoais, dar a conhecer uns aos outros textos, iniciativas, filmes, livros, sugerir tópicos de reflexão, estabelecer links com as mais diversas experiências.
Estas são algumas ideias de um projecto que nos sentimos chamados a construir.

Antónia Craveiro, Fátima Belo, Isabel Sales Henriques, Luís Wemans e Mimi Paes

Lisboa, Páscoa de 2007

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